terça-feira, 17 de julho de 2012

F. Liszt

Era um corpinho enfermiço, etéreo e apaixonado, que se diria delicado demais para uma criança mortal.
Quando os Liszt chegaram à capital da Áustria (em 1821), Franz contava apenas dez anos de idade, embora já tocasse com a técnica e emoção de um virtuoso adulto.
“Você deve agradecer à sua estrela”. “Nunca vi, em toda a minha vida, talento igual para a memorização”.
Ele senta ao piano. Entreolharam-se, pasmados, os membros da orquestra. “Mas esse menino é tão bom quanto Mozart!”.
Foi para todos uma grande surpresa encontrar Beethoven lá, pois, ao receber o ingresso para o concerto, lançara-o de si, resmoneando: “Estou farto de crianças prodígio”. Todavia, lá estava ele, imóvel na sua cadeira, os lábios muito apertados. Claro está que não lhe era possível ouvir uma única nota, pois já a esse tempo a sua surdez era praticamente completa. Não obstante, continuou a fitar os olhos na criança, impassível, o cenho carregado, distante como um deus. Terminado o concerto, abeirou-se da plataforma, tomou Franz entre os braços de urso e disse-lhe, beijando-o a testa: “Meu filho, você ainda será, um dia, um verdadeiro músico”. Esse elogio de Beethoven foi uma das mais queridas recordações da infância.
Que dedos quentes e palpitantes, que olhos ardentes e perturbadores! Já em sua infância sentia Franz que, depois da sua música, o sorriso de uma mulher bonita era a coisa mais irresistível do mundo.
Conseguiu, entretanto, tornar-se aluno de Paer e continuou, debaixo da orientação deste último, o meteórico progresso em direção ao pináculo do virtuosismo contemporâneo.
No momento, contudo, em que as suas mãos roçaram o piano, transformou-se. Já não era uma criança que tocava, mas a própria encarnação do Espírito da Música.
Nunca foi criança alguma dotada de tamanho gênio. Nunca houve criança alguma tão sequiosa por brincar.
Tentativas de suicídio. Tensões de ordenar-se. Leitura de livros amargos de Byron e Voltaire. Uma longa e crítica enfermidade. Depois, emergiu Liszt como o favorito fascinador, brilhante, temerário, cínico e irresistível dos salões franceses.
O homem mais elegante de Paris, e o maior pianista do mundo, foi pintado, modelado e elogiado pelos principais artistas, escultores e poetas.
A orquídea de seu gênio crescia ao influxo dos aplausos. Orquídea de deslumbrante beleza como raramente havia visto o mundo. O seu virtuosismo artístico e mental seduzia não só as mulheres mais encantadoras senão também os homens mais brilhantes de Paris. Era um jovem deus irrequieto esse músico sempre em busca de novos triunfos, esse amante sempre à cata de novas aventuras.
Ocorreu, por fim, uma aventura que lhe trouxe uma taça de vinho de múltiplos sabores – excitamento, romance, paixão, alegria, desilusão e sofrimento. Mas não lhe trouxe a paz. Porque não pertencia ao tempestuoso temperamento de Franz Liszt experimentar jamais as bênçãos da paz.
Heine asseverara-lhe que tal conquista seria impossível, visto que ela trazia encerrado o coração em diversas polegadas de gelo.
Não lhe sobrava tempo, entretanto, para os sonhos maiores da sua imaginação, pois gastava-o todo com Wagner, o obscuro titã cujas visões pairavam acima da compreensão das massas.
Havia agora em sua execução uma nota nova – a nota do sofrimento, do desafio, da rebelião contra as pompas vãs do mundo.
Ele era apenas um estorvo para os netos, para a filha, para si mesmo. Nada mais lhe restava senão esperar pacientemente pela morte. Era tarde demais. Morria. Mas as contas afinal, não estavam tão más assim. Porque, ao cerrarem-se-lhe os olhos, Cósima apertava a mão entre as dela.





Eu, Álison

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