quinta-feira, 26 de julho de 2012

N. A. Rimsky-Korsakov

O seu caráter, como sua música, tinha mais a perfeição da ciência que da paixão da arte.
De vez em quando, no entanto, “por brincadeira”, e movido de uma curiosidade científica por separar as coisas e tornar a ligá-las, “compunha música e reunia notas”.
“Obedeciam-no cegamente, pois o fascínio da sua personalidade era tremendo”.
“Vocês devem mergulhar, intrépidos, no oceano da composição”, dizia ele, “e aprender a afundar ou a nadar. Se tiverem talento para nadar, tanto melhor para vocês. Se forem infelizes a afundarem, tanto melhor para o mundo”.
Ele cessara de acreditar num Deus que permitia tamanhos males debaixo do sol. Buscava, porém, encontrar consolo na música. Como fossem desatendíveis as suas obrigações a bordo, sobejava-lhe tempo para consagrar-se a música – e ao estudo da astronomia. O oceano é um magnífico ponto de observação para se contemplar o esplendor do firmamento.
“O azul escuro do céu durante o dia era, à noite, substituído por fantástica fosforescência. À medida que navegávamos para o sul, tornava-se o crepúsculo cada vez mais curto e as estrelas e os planetas rompiam sobre nós com súbito esplendor. Que refulgência na Via Láctea, com a constelação do Cruzeiro do Sul. Que magnificência de Canopus, nas estrelas do Centauro, no vermelho ardente e brilhante de Antares, visível na Rússia como pálida estrela nas noites claras de verão! Sirius, que na Rússia se vislumbra nas noites invernosas, parecia aqui duas vezes maior e mais brilhante. Logo se tornaram visíveis todas as estrelas de ambos os hemisférios. A Ursa Maior via-se baixa, justamente acima do horizonte, ao passo que o Cruzeiro do Sul se elevava cada vez mais. A luz da lua cheia, submergindo entre as nuvens amontoadas e delas emergindo, era simplesmente ofuscante. Maravilhoso é o oceano tropical com sua cor azul e seu brilho fosforescente; maravilhosas são as nuvens tropicais ao pôr do sol; mas o firmamento tropical, à noite, sobre o oceano é a coisa mais maravilhosa do mundo”.
Sentiam os amigos que nele havia um grande gênio mal aproveitado, e em certos momentos expressavam a cínica esperança de que lhe ocorresse alguma coisa que lhe permitisse ter tempo suficiente à sua composição.
Nalgumas poucas ocasiões apenas lograram as realidades amargas da vida interromper-lhe os sonhos deliciosos da fantasia.
Tudo isso, no entanto, nada trouxe senão enleio para o pequeno conservador que sonhava os seus sonhos encantados. Foi-lhe restituído o cargo de professor e ele pôde, mais uma vez, deslizar para a serenidade dos sonhos depois do mergulho repentino e atemorizador no pesadelo da realidade.
E assim, a sonhar, escreveu mais uma ópera encantada, e recolheu-se depois ao sono sem sonhos.





Eu, Álison

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