Tchaikovsky, porém, que era a alma mais delicada da terra, sabia defender com firmeza os seus direitos. “Perdoe-me, querida amiga, e ria-se da minha esquisitice. As nossas relações, no pé em que estão, constituem a minha maior felicidade e a rocha sobre a qual repousa todo o meu bem estar. Não desejo fazer-lhe a menor alteração”.
Durante quarenta e oito horas “bebeu ela toda a magnífica beleza da melodia, recusando-se a comer ou a beber”.
Possuía-o, de vez em quando, uma fúria quase assassina. “Já sei”, escreveu ele sinistramente, “como um homem, não sendo mau por natureza, pode converter-se num criminoso!”. Voltaram-lhe as antigas crises de nervos – a insônia, a perda de peso, as cãibras cardíacas, os pesadelos.
A ideia de que não valho nada, de que somente o meu trabalho musical me redime dos meus defeitos principia a oprimir-me e torturar-me. A única maneira de subtrair-me a essas dúvidas atormentadoras e a essas autoflagelações consiste em encetar novo labor. Só o meu trabalho pode salvar-me.
“As palavras são inúteis para descrever a emoção que me avassala quando concebo uma nova ideia e esta principia a tomar forma definida”.
Tchaikovsky, porém, confessou ingenuamente que tinha medo aos outros. “Durante toda a minha vida os contatos sociais me fizeram sofrer”. Não sabia definir com exatidão o que havia nos outros que tanta angústia lhe causava, mas o caso é que a sociedade o atormentava. Confessava saber quanto lhe minguara as oportunidades de êxito essa timidez. Mas desistira da luta. “De fato, agora que posso esconder-me em minha toca e ser sempre eu mesmo, visto que os livros e a notação musical são hoje meus únicos companheiros, sinto-me perfeitamente feliz”.
É a única pessoa no mundo que me pode fazer profundamente feliz. E expressou o desejo de toda a sua alma de que jamais se alterasse, jamais terminasse o que quer que inspirasse o seu afeto por ele, “porque uma perda dessa ordem seria, para mim, insuportável”.
Terminava a carta com umas poucas palavras casuais, totalmente destituídas de calor: “Não esqueça, e pense em mim de vez em quando”. O tom dessa carta petrificou-o. “Poderei, porventura, esquecer tudo o que você fez por mim, tudo o que sua amizade significou para mim e para minha música?”
“Estou perturbado demais para escrever com clareza”.
“Isso, porém, aconteceu e toda a minha confiança nas pessoas, toda a minha fé no mundo se extinguiram. Foi-se-me a paz e toda e qualquer felicidade que o destino possa haver-me reservado está empeçonhada para sempre”. Esta última carta nunca teve resposta.
Alguma força irresistível tomara conta dele... Uma ansiedade profunda e inexplicável, um desespero que pedia o esquecimento às distrações, onde quer que fosse...
Tão lindas eram as suas melodias que lhe haviam arrancado lágrimas dos olhos. A Sinfonia Patética foi a última coisa que ele escreveu. Era o testamento em que legava ao mundo a chama do seu gênio e a beleza da sua cor.
Durante quatro dias agonizou e, no quinto, encontrou o repouso. Fim estranho de uma estranha existência. Um gênio a quem o Destino havia dado os sons de um deus e a quem negara as energias de um homem. Quais teriam sido os verdadeiros pensamentos de tão triste e incongruente personalidade?
Eu, Álison
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