A sua pessoa, como sua música, era um poema elegante, o que representava para ele fonte de grandes satisfações.
A palavra tristeza é, porventura, pesada demais para se aplicar a um rapaz de vinte anos. A tristeza, no entanto, era o talismã a que ele se apegava, desesperado, para subtrair-se às angústias do seu contentamento. Cria fervorosamente na melancolia, aquele feixe de nervos superexcitados e cansados, aquela ruína tuberculosa e maltratada de vinte anos.
A consciência o torturava. O momento era de nervosismo nacional. O povo se esquecera das humanidades, das artes, das ciências, da paz contemplativa e criadora.
Mas nos dias angustiosos, como Dante o observou, não há sofrimento tão amargo quanto a memória das passadas alegrias.
“Aqui estou eu com as mãos vazias, deitando o meu desespero em notas tinintes”.
Volvido algum tempo, abrandou-se-lhe a extrema aflição mental.
No meio dessa sociedade de magníficos sonhadores, artistas que tinham a audácia de olhar para um mundo melhor, caminhava o polonês enfermiço e triste. Sentava-se ao piano e arrebatava-os, a todos, com a sua poesia. Tinha vinte e poucos anos e sentia que ainda lhe faltava muita coisa para aprender no respeitante à sua arte.
Entre os primeiros a reconhecer o gênio de Chopin figura Franz Liszt, o maior pianista do seu tempo. Liszt achava-se presente a um concerto dado a pelo recém chegado a Paris, e, ao lado dele, sentara-se aquele outro músico mágico, Felix Mendelssohn. Quando Chopin principiou a tocar, ambos compreenderam que era Deus quem falava pelos dedos do rapaz.
Diversamente de Liszt, Chopin tinha qualquer coisa de recluso. Aristocrático por instinto, desadorava a humanidade quando representada pelas massas. Temia as multidões.
“Enchia a sombra de um conclave de fadas”.
Instalou-se em luxuoso apartamento e, na sua soledade, aspirava o perfume das violetas.
Para compensar, contudo, a sobriedade obrigatória da existência física, enriquecia sua música com uma incomparável embriaguez psíquica. Com menos de trinta anos, escrevendo exclusivamente para piano, cuspindo sangue dos pulmões devastados, era adorado pela sua música.
E quem poderá escrever música forte quando tem o coração fraco?
“Se me tivesse compreendido, talvez me pudesse ter amado”.
Um dizia que eu havia de morrer, o segundo, que eu estava prestes a morrer, o terceiro, que eu já estava morto.
Embora lhe declinassem rapidamente as energias, a poderosa labareda do gênio senhoreou-se dele e imprimiu-lhe verdadeira fúria criadora. Sentava-se ao piano e embrenhava-se na música. “Ele não sabe sequer em que planeta vive”. Chopin, sepultado na própria música, não atentava em coisa alguma.
Amigos instaram-lhe que escrevesse óperas e sinfonias a fim de “demonstrar o seu talento a um mundo que não se fiava dele”. Ele, porém, encolhia os ombros, a sorrir. “Quem quer que pudesse ler-lhe o rosto veria quão amiúde possuía a convicção de que entre todos os senhores bem vestidos e entre todas as senhoras perfumadas que lhe frequentavam os concertos, não havia uma única pessoa que compreendesse verdadeiramente o seu propósito”.
Sentado em sua cela, Chopin conversava com o seu piano e contemplava o declinar da própria vida.
Cada um de seus dedos “era uma voz delicadamente diferenciada”. Ele sentava-se ao piano e convertia-o em vida.
Não tema os pesares da tristeza. A sua vida dissolvia-se em música.
As luzes estavam apagadas. Chopin arpejava. Tinha lágrimas nos olhos. As notas semelhavam as vergastadas de uma tempestade de neve açoitando o quarto. “Sonhei que você estava morta”.
Despertara o monstro oculto no piano e este lhe atirava setas de melancolia ao coração.
Espalhados em vasos por todos os cantos havia ramos de violetas – suas flores prediletas. Um perfume leve. Música perfumada. Canções crepusculares de fragrante tristeza.
A sua música delicada estremecia ainda como uma chama tocada pelo vento. Música estranha e melancólica, em tons menores, canções do vento e das estrelas e dos mistérios da noite.
Um dia, após o pôr do sol. As suas almas, como a de Chopin, afinar-se-iam com a música da noite. Porque a noite é apenas um prelúdio para outro dia.
“Quando eu tiver ido embora”, - foram estas as suas últimas palavras – “toquem um pouco de música para mim, pois sei que hei de ouvi-los no além”.
Eu, Álison
Nenhum comentário:
Postar um comentário