A história misteriosa do impulso humano para a expressão divina principiou, no caso de Johannes, em idade precoce. Johannes principiou a estudar piano e foi logo saudado como uma espécie de criança prodígio.
Dir-se-ia que a sua alma delicada viria a sufocar-se naquele ambiente. Ele, porém, desafiou o destino. E depois, improvisamente, no espaço de uns poucos meses, penetrou as regiões do gênio reconhecido.
Joaquim ouviu a música e reconheceu, incontinenti, estar em presença do gênio.
Aquilo era um desafio ao seu gênio.
Clara Schumann era uma mulher nobre, bela e prendada na idade em que as mulheres são mais capazes de influir nas almas de jovens suscetíveis. E Brahms era extremamente suscetível.
E, como se o diabo quisesse meter o bedelho na história, Schumann foi acometido de uma enfermidade nervosa e internado em um hospício, do qual nunca mais saiu vivo. O grande espírito, curvado debaixo do peso do gênio e da decepção, nunca pode, senão em raros intervalos, encontrar o caminho que o fizesse sair do nevoeiro.
“Estou descobrindo um sentido de beleza, não acha?”, perguntou-lhe ele, um belo dia. “Quando a gente vê uma mulher bonita durante muito tempo, uma mulher que é, ao mesmo tempo, graciosa, terna e pura, não pode deixar de sentir-se inspirado diante do espetáculo”.
E o jovem, cheio de tristeza diante das ruínas do que fora, outrora, seu amigo, sentia que lhe passava pela cabeça amarga e tempestuosa torrente de melodia.
Aos olhos do jovem Johannes convertera-se numa deusa, que lhe ensinava, todos os dias, a extasiar-se diante na natureza do verdadeiro amor e que lhe mostrava, a todos os momentos, a beleza da abnegação. Os elementos da sua paixão precipitaram-se num ímpeto vesano.
O Décimo Primeiro Mandamento: Subjulga a tua paixão. “A paixão não é natural na humanidade; é sempre uma exceção, uma excrescência”. “Sê calmo na alegria; sê calmo na aflição”.
Continuaram amigos íntimos e ternos e silenciosos guardiães das suas recordações.
Sê calmo na paixão. Elimina-a! Toda vez que chegava a ponto de perder o coração, adicionava-se uma nova passagem imortal ao rol de suas músicas. Os psicólogos modernos chamarão a isso sublimação. Brahms chamava-lhe a tradução da emoção em canto.
Ele atingira então o domínio completo da sua arte.
E como se quisesse acrescentar um novo símbolo ao seu caráter de eremita, deixou crescer a barba que, com o tempo, se tornou branca e majestosa.
Mesmo enquanto jovem, antes de se lhe confinarem os hábitos de solteirão, demonstrara o mesmo relaxamento no tocante à aparência física.
Raramente, porém, aparecia em publico.
Lá chegando, não encontrava uma cadeira sequer para sentar, pois estavam todas cobertas de livros e folhas de música.
E sonhava sonhos que não haviam sido permitidos a mais ninguém desde o tempo de Beethoven.
Nas fórmulas matemáticas de Bach, librara-se a beleza à espera do filosofo que, libertando-a, lhe permitisse subir aos céus. Os músicos cientistas haviam edificado maciços mausoléus de granito sem janelas, e os músicos poetas tinham construído janelas frágeis de vidro coloridos, mas sem armação sólida que as sustentasse. Foram precisos os filósofos da música, homens como Beethoven e Brahms, a fim de erguer casas para os vivos e não para os mortos – mansões ao mesmo tempo sólidas e cheias de ar, de vitalidade e de imorredoura beleza.
Eu, Álison
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