sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

No final, a passos pequenos

É a hora terrível em que surgem as saudades escondidas na sombra. Juventude, força, beleza, o que foi feito delas? Por que se esforçar tanto em buscar os segredos dos céus? Enrugado como um velho libertino, agora calvo e sem dentes, envelhecido antes do tempo, com os membros deformados pela gota e o braço direito, que ontem domava os cavalos mais ariscos, paralisado. Então isso é a vida? Pode a vida reduzir-se a isso? Agora reconhece a angústia surda e o desespero latente que o levaram na juventude a pintar o São Jerônimo. A vida inteira ele buscou como abrir as portas da prisão, a cada vez imaginou ter descoberto. Sempre se inebriou de liberdade, e agora isso acabou!

Envelhecido

Tem 65, 66, 67... e o homem que sempre foi visto como o mais belo, o mais espetacular, de repente aparenta ter mais de setenta. Todos lhe dão dez anos a mais que sua idade. E, de fato, ele se sente velho, fatigado, vagamente enfastiado com sua condição de homem rico que não precisa mais correr atrás do dinheiro. Desprovido de ambição como de necessidade, nada mais realmente lhe interessa. Pôr em ordem os cadernos? Ele faz isso com Melzi. Atender aos menores desejos do rei? Agora só consegue por delegação. Sente o desespero de não ter cumprido a quarta parte de suas intenções e de constatar uma impotência crescente. Tarde demais. Chega o dia em que tudo é tarde demais.
Uma forma insidiosa de tristeza o rói um pouco mais a cada dia. A claridade do dia, a beleza límpida das paisagens que o cercam já não lhe causam emoção. Encerra-se numa espécie de doença, cansaço, paralisia, ou tédio misturados. Tristeza definitiva por ter perdido Salai? Já não monta mais a cavalo, não sai mais... Leonardo torna-se aquele velho misterioso que vemos no autorretrato feito a lápis, conservado em Turim. A morte vem vindo, mas, como sempre com ele, devagar.




Eu, Álison

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