quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Não há onde se agarrar

E se eu entendo alguma coisa de sofrimento - talvez a gente faça apenas pálidas ideias de como seja o sofrimento de um psicótico totalmente desagregado, que é atormentado o dia inteiro, e não apenas alguns minutos - sei que quem o tolera, mesmo desagregando, é um forte.

É uma opção derivada do desespero. Quando a pessoa se sente absolutamente abandonada, isto é, sozinha, sem ligações fortes com o mundo externo que representem uma esperança, ela se mata. Quando se sente vazia de anjos e cheia de demônios.
Não sei quantos de vocês que estão aqui tiveram a experiência de solidão - no tempo, uma fração infinitesimal. O psicótico se sente só. Não falo da solidão como é habitual as pessoas a sentirem, falo de solidão mais ou menos assim: imaginem uma guerra nuclear que tenha destruído todo mundo menos uma pessoa. Imagino que o psicótico antes de se matar sinta esse tipo de solidão, em que tudo o que havia de ligação com o mundo em termos afetivos ficou destruído ou nem se fez. Resta o nada e ele se mata por não suportar tal dor. Por isso que não acho que seja opção - o psicótico se sente empurrado a isso pelo desespero.
Acredito também que o suicídio seja feito num impulso, mesmo que ele tenha sido pensado, como ocorre com os melancólicos, que pensam muito sobre como vão se matar. Mas sempre avisam, às vezes tão claramente que as pessoas em volta não acreditam que eles o pratiquem. Enquanto eles estão pensando e se sentindo ligados por qualquer laço, conseguem sobrepor ao impulso. Deixando de pensar uma fração mínima de tempo, eles se matam. Podem até se arrepender no meio da ação, mas não há volta, pois as tentativas de suicídio de psicóticos, em geral, não dão opções para a volta.
Há pacientes que descrevem momentos em que eles acham que estão enlouquecendo. Não é a pessoa ficar com o ego despedaçado, desintegrado e ter consciência parcial disto e sentir forte angústia. É como se o paciente entrasse numa "área do nada", no "não-ser" e aí de repente voltasse para o "ser". O "ser" e o "não-ser" são dois estados muito dolorosos para o psicótico, mas a passagem do "ser" para o "não-ser" e vice-versa é que é mais do que extremamente doloroso, é indizível mesmo. Acho que é nesta passagem que a pessoa sente mais sua solidão e a não existência de relações afetivas (internas e externas) às quais se apegar.
O ser humano é bastante só, isto o sabemos, mesmo rodeado de pessoas, mas basicamente as pessoas se ligam afetivamente a outras e fogem ao sentimento doloroso desta solidão. Para a gente se relacionar bem com o outro, tem que aceitar-se antes, só, olhar para dentro de si e se suportar um pouco senão o outro teria que desempenhar um papel que jamais conseguiria preencher que é o de ser duas pessoas.

A gente precisa se perguntar também se já se sentiu abandonado para, pelo menos, ter uma pálida ideia do sofrimento de uma pessoa - o paciente - que se deixou só a si mesmo, que se abandona a toda hora, seja pelas identificações projetivas maciças, seja pelo jogo terrível do "ser" - "não-ser".




Eu, Álison

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