sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Apenas de tormentos

É uma verdade incrível como a existência da maior parte dos homens é insignificantes e destituída de interesse, vista exteriormente, e como é surda e obscura sentida interiormente. Consta apenas de tormentos, aspirações impossíveis; é o andar cambaleante de um homem que sonha através das quatro épocas da vida, até a morte, com um cortejo de pensamentos triviais. Os homens assemelham-se a relógios a que se dá corda e trabalham sem saber a razão. E sempre que um vem a este mundo, o relógio da vida humana recebe corda novamente, para repetir, mais uma vez, o velho e gasto estribilho da eterna caixa de música, frase por frase, com variações imperceptíveis.


Quando a ponta do véu de Maia (a ilusão da vida individual) se ergue diante dos olhos de um homem, de tal modo que já não faz diferença egoísta entre si mesmo e o restante dos homens, e interessa-se pelos sofrimentos dos outros como pelos próprios, tornando-se assim caritativo até à dedicação, pronto para sacrificar-se pela salvação de seus semelhantes, esse homem, chegado assim ao ponto de se reconhecer a si mesmo em todos os seres, considera como os seus sofrimentos infinitos de tudo quando vive, e apodera-se, dessa forma, da dor do mundo. Nenhuma miséria lhe é indiferente, todos os tormentos que vê e tão raramente lhe é dado amenizar, todas as angústias de que ouve falar, inclusive aquelas que lhe é possível conceber, perturbam-lhe o espírito como se fosse ele a vítima.
Insensível às alternativas de bens e de males que lhe sucedem em seu destino, livre de todo o egoísmo, penetra os véus da ilusão individual; tudo quanto vive, tudo quanto sofre, está igualmente junto de seu coração. Imagina o conjunto das coisas, a sua essência, a sua eterna passagem, os esforços vãos, as lutas íntimas, e os sofrimentos intermináveis; para qualquer lado que se volte, vê o homem que sofre. o animal que sofre, e um mundo que se desvanece eternamente. E une-se tão estritamente às dores do mundo como o egoísta a si mesmo. Como poderia ele, com tão grande conhecimento do mundo, afirmar com desejos incessantes a sua vontade de vida, e prender-se cada vez mais estritamente à vida?








Eu, Álison

Nenhum comentário:

Postar um comentário