sábado, 20 de outubro de 2012

Porque o meu foi à noite

"Era como se ela fosse dormir. Ela fechou os olhos tão lentamente que eu não pude acreditar". Ela havia me feito uma visita há poucos dias. Lembrei da frase "Talvez haja um anjo em minha porta", um pouco antes dela chegar e pedir para entrar. Por coincidência ou não, naquele momento havia mesmo. Me levou até uma carta de lembrança. Agradou-me muito sua visita e sei que me visitar também a agradou, pois quando se é diferente, passasse muito tempo só, e para quebrar o hábito de falar sozinho, uma companhia para conversar era muito bem vinda. Mas agora ela está em paz.

Sempre falaram que nós éramos diferentes. "Diferentes de qualquer um que já conheci", eles diziam. Nós ríamos, mas sabíamos que era verdade. Não via os quilômetros que se interpunham entre nós como lonjuras, mas sim como um caminho que nos mantinha unidos. Sempre. O fato de nossas vidas estarem separadas não nos distanciou um do outro.
Nós vivíamos tendo sempre em mente que as pessoas ao redor não nos entenderiam. Nenhuma delas. Os únicos capazes de nos entender seriam os que são como nós, mas como não há muitos por aí, dificilmente iríamos encontrar alguém que nos visse como realmente éramos.
Ela era muito importante para mim e sei que também era importante para ela. Ela me entendia. Eu a entendia. Nós nos entendíamos. Coisa rara.
Sempre disse que ela via o mundo de cima, de uma perspectiva que ninguém tinha. "Você consegue ver o mundo como ninguém", eu dizia. Bem... Agora tenho certeza.
Nunca descobriram a causa. Ela morreu. Pouco depois de me visitar ela morreu. Em casa, da mesma forma que passou a maior parte da vida, sozinha. Acho que ela foi a minha casa se despedir, ou simplesmente queria me ver. Não sei.
Sem entender, fiquei em pedaços. Seu funeral foi à tarde, mas não pude ir... Porque o meu foi à noite. Mas a causa da minha morte eu sei bem. Morri de desgosto.
Hoje as pessoas ainda falam que éramos diferentes. Pois é... Éramos...





Eu, Álison

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