quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Lê-los é o que ele faz

"Um deles era de pequena estatura, musculatura vigorosa, membros fortes, cabeça grande, cabeleira negra e abundante, bigode espesso, olhar vivo e penetrante, toda a sua pessoa impregnada dessa vivacidade meridional que caracteriza em França os filhos da Provença. Diderot, com justiça, afirmou que o gesto do homem é metafórico, e aquele homenzinho era a prova viva dessa asserção. Sentia-se que em sua linguagem habitual devia prodigalizar as prosopopéias, metonímias e hipólages. Fato que, aliás, nunca tive ocasião de verificar porque, em minha presença, usou sempre idioma singular e absolutamente incompreensível.

O segundo desconhecido merece descrição mais minuciosa. Era fácil de ler em sua fisionomia. Reconheci, sem hesitar, as suas qualidades dominantes: a confiança em si, porque a sua cabeça assentava nobremente sobre o arco formado pela linha dos ombros e seus olhos negros fitavam com impassível segurança. A calma, porque a sua pele, tendendo mais para a palidez do que para o corado, denunciava o equilíbrio sanguíneo. A energia, demonstrada pela facilidade de contração dos músculos superciliares e, enfim, a coragem, porque a sua respiração profunda denotava grande expansão vital.

Acrescentarei que sua altivez era visível, que seu olhar firme e claro parecia refletir pensamentos elevados e que todo esse conjunto, a homogeneidade das expressões, do gesto, do corpo e do semblante, segundo a observação dos fisionomistas, sugeria indiscutivelmente a sua franqueza.

Senti-me, involuntariamente, tranquilo na presença dele e augurei bem de nossa entrevista.

Se tinha trinta e cinco ou cinquenta anos, não me teria sido possível precisar. Sua estatura elevada, sua testa larga, seu nariz reto, sua boca nitidamente desenhada, seus dentes magníficos, suas mãos finas e alongadas eram dignos de servirem a alma altiva e apaixonada. Aquele homem constituía indubitavelmente o mais admirável tipo humano que até então me fora dado encontrar.

Particularidade estranha, os olhos dele, um pouco afastado um do outro, podiam abarcar simultaneamente cerca de um quarto do horizonte. Esta faculdade, como verifiquei mais tarde, era reforçada por capacidade visual superior a de Ned Land. Quando esse desconhecido fitava um objeto, a linha das sobrancelhas franzia-se, suas grandes pálpebras cerravam-se de modo a circunscrever-lhe a pupila dos olhos, restringindo assim a extensão do campo visual. Que olhar aquele! Como aumentava os objetos diminuídos pela distância! Como nos devassava até a alma!"


Trecho de "Vinte Mil Milhas Submarinas" de Julio Verne




Eu, Álison

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