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sábado, 29 de março de 2014

Janela da Alma - Parte 2

Você nunca se descobre, por exemplo, pensando fora de foco. Você acha que você pensa direito, de algum jeito. Às vezes você pensa melhor ou, às vezes, você tem dúvida, ou tem problemas, ou tem incertezas, mas a ideia do fora de foco, num mundo nosso, visual, é muito grave, entendeu? Eu não me penso fora de foco, mas, então, o mundo está fora de foco ou eu estaria, entendeu? - Carmela Gross

A grande experiência que eu tive assim que eu usei óculos, a primeira vez que eu pus os óculos, foi notar a quantidade de detalhes que se veem normalmente e que eu não via antes de usar os óculos. Então, por exemplo, uma coisa que eu achei maravilhosa, foi ver que as árvores eram múltiplas. Quer dizer, eu sempre soube, intelectualmente, que as árvores, as copas das árvores, eram compostas de folhas, mas eu só via aquela massa. Quando eu pus os óculos e notei, embora você não visse perfeitamente as folhas individuais, você via a multiplicidade de que é composta uma árvore... Aquilo, para mim, foi uma descoberta maravilhosa. - Antônio Cícero

Acho que você fica mais consciente do enquadramento. Quando tinha trinta anos, tentei usar lentes de contato, mas mesmo quando as usava, procurava meus óculos, porque, apesar de enxergar bem sem os óculos, sentia falta desse enquadramento. Acho que a visão é mais seletiva. Temos mais consciência do que vemos de fato. Sem os óculos, tenho a impressão de ver demais, e não quero ver tanto. Quero ver de forma mais... Contida. - Wim Wenders

Foi uma experiência que, naquele momento, parecia dolorosa, mas que foi uma coisa enriquecedora, que leva muito para a subjetividade, faz a gente pensar muitas coisas que normalmente não iríamos pensar. Então, hoje eu acho boa essa experiência, apesar de naquele momento eu ter achado ruim. Na gente, nas relações. Abre a subjetividade da gente. Quando a gente está só no exterior, está tudo bem, a gente está tranquilo. Na verdade, o conhecimento nasce muito disso, do incômodo. O incômodo nos faz pensar, procurar coisas... - Paulo Cezar Lopes

O ato de ver e de olhar não se limita a olhar para fora, não se limita a olhar o visível, mas também o invisível. De certa forma, é o que chamamos de imaginação. - Oliver Sacks

O que mais me agradava nos livros era o fato de que aquilo que eles nos davam não se achava somente dentro deles, mas o que nós, crianças, adicionávamos a eles, é que fazia a história acontecer. Quando éramos crianças podíamos realmente ler nas entrelinhas e acrescentar-lhe toda nossa imaginação. Nossa imaginação realmente completava as palavras. - Wim Wenders

Se dizemos que os olhos são a janela da alma, sugerimos, de certa forma, que os olhos são passivos e que as coisas apenas entram, mas a alma e a imaginação também saem. O que vemos é constantemente modificado pelo nosso conhecimento, nossos anseios, nossos desejos, nossas emoções, pela cultura, pelas teorias científicas mais recentes. Se alguma vez vimos raspas de ferro sobre um ímã e qual o comportamento de um campo magnético. Acredito que isso entra no imaginário, e de certa maneira posso ver o campo invisível do ímã. Não posso vê-lo, mas o vejo. Posso vê-lo com os olhos da mente. - Oliver Sacks

Lembro-me de minha mãe olhando para mim sempre com aquele olhar triste e deprimido. Olhando para mim, mas sem se comunicar comigo. Olhando através de mim, como que dizendo: "Coitada da minha filha, que horrível", e isso me afetou, como se eu fosse um fracasso, porque minha mãe me olhava dessa forma. Mas eu estava decidida a não ser um fracasso, a lutar, a fazer tudo o que pudesse, a escolher uma profissão na qual, possuindo algo de único, pudesse transformar essas cinzas em joias.
"Many Happy Returns" trata do trauma da deformidade, mas, na verdade, foi outra a razão que me inspirou a fazer o filme. Nesse filme, o mal causado à menina é, sobretudo, mental, pelo fato de ter que ver e ser testemunha de fatos difíceis e traumatizantes. Sua visão é machucada, de certa maneira. O filme diz respeito a isso, mais do que a deformidade.
O paradoxo em tudo isso é que logo depois da última operação, que foi bem sucedida e que os olhos foram corrigidos, ninguém notou. Ninguém me disse: "O que houve com seu olho? Que maravilha!". Ninguém notou. Então, de que adiantou todo esse trauma? Foi uma lesão interna. Acho que é isso que tento abordar nesse filme. A verdadeira lesão foi a perda de um olho. A deformidade que transformava meu rosto em uma espécie de ameixa enrugada. Era o fato de eu ser vesga, algo que ninguém reparou. Trágico, não? - Marjut Rimminen

Lembro-me de ter pensado: "Estou fazendo toda essa ficção sobre Jacques e ele está aí, vivo, e talvez por pouco tempo", porque ele estava doente. E pensei, como quando queremos fazer algo por alguém, e dizemos: "Fiquei próxima, tanto quanto possível, de quem sofria". E para um cineasta, estar próximo quer dizer estar realmente próximo. Então, eu filmava o que todos viam. Seu rosto, seus braços, suas mãos, nada de especialmente íntimo, como, por exemplo, tomar um banho em casa. Mas a maneira como filmei seus braços, suas mãos e seu rosto, de perto, de muito perto, chegando à textura desse homem, a pele, pode-se ver cada pelo, como se entrássemos dentro de sua pele. Muito perto. Acho que só tive essa visão devido ao medo de perdê-lo... E o perdi. Ele morreu seis meses depois da filmagem. Acho que ninguém teria sido capaz de realizar esse filme exatamente da maneira como eu fiz. Como já disse, a visão é alterada por sentimentos, por fortes sentimentos. - Agnès Varda





Eu, Álison

sábado, 22 de março de 2014

Janela da Alma - Parte 1

Os textos que seguem foram retirados de um documentário chamado Janela da Alma, em que várias pessoas com problemas visuais comentam sobre a importância da visão em suas vidas. Não mencionei todas, apenas as que chamaram minha atenção, mas você pode procurar e olhar esse documentário por completo, pois vale a pena. Ele te faz pensar muitas coisas que você nem imaginava. Pelo menos eu não imaginava. Como o texto é grande, vou publicar em partes.

Nós não temos, por exemplo, os olhos como os têm a águia e o falcão. Nós vivemos dentro de uma possibilidade de ver, que é nossa, e nem ver, supondo que os nossos olhos são olhos sãos, normais, e nem ver nem de menos, nem demais. E para tornar isto claro, eu digo que, se o Romeu da história tivesse os olhos de um falcão provavelmente não se apaixonaria por Julieta, porque os olhos dele veriam uma pele que, enfim, veriam uma pele que provavelmente não seria agradável de ver. Porque a acuidade visual do falcão, cujos olhos o Romeu teria, não mostraria a pele humana tal como nós a vemos. - José Saramago

A realidade real não existe, na verdade. É sempre um olhar, é sempre um olhar condicionado. Cada experiência de olhar é um limite. A gente não conhece as coisas como elas são, mas só mediado pela nossa experiência. - Paulo Cezar Lopes

Portanto, saber o que é realidade... Bom, se eu acreditar que Deus fez os meus olhos para que eu visse a realidade tal como ela é, então estou bem, mas como nós sabemos que não é assim, então não vale a pena estarmos a perder tempo com isso. - José Saramago

Se o olho é a janela da alma, então você tem que olhar por essa janela com outro olho, e esse outro olho também é a janela da alma. Você tem que olhar por essa janela com outro olho. Quer dizer, a janela não olha. Quem olha é um olho através da janela. Num certo sentido, é uma metáfora complicada que leva a um tipo de coisa que não resolve o problema real de explicar o que é a visão, porque... Você vai ao infinito com essa história da janela da alma, entende? E nunca chega, na verdade, à própria alma. - Antônio Cícero

Mas vocês não são videntes clássicos, vocês são cegos, porque, atualmente, vivemos em um mundo que perdeu a visão. A televisão nos propõe imagens prontas e não sabemos mais vê-las, não vemos mais nada porque perdemos o olhar interior, perdemos o distanciamento. Em outras palavras, vivemos em uma espécie de cegueira generalizada. Eu também tenho uma pequena televisão e assisto-a sem enxergar. Mas há tantos clichês que não é preciso que eu veja fisicamente para entender o que está sendo mostrado.
Já era cego quando tirei minhas primeiras fotos, no colégio. Na época, minha irmã tinha comprado uma Zork 6, uma máquina russa. Ela me emprestou a máquina, e tirei algumas fotos de colegas na escola. Depois, levei a um fotógrafo, que já morreu. Ele o revelou e aconteceu um milagre: lá estavam as imagens. Fiquei chocado e surpreso. Disse a mim mesmo: "Não vejo as imagens, contudo sou capaz de fazê-las". Essa é minha sobrinha Verônica, a quem fotografei em um campo que vira há muito tempo. Pedi a ela que dançasse e corresse. Ela usava um sininho que eu escutava. Na verdade, fotografei o sininho, mas este não pode ser visto. Trata-se, então, de uma fotografia do invisível.
Às vezes percebo por mim mesmo, ou escuto e oriento a máquina em direção à voz. Às vezes alguém me conta. Às vezes são os livros que me contam. Às vezes é meu coração que me conta. Às vezes apaixono-me por uma paisagem ou por uma mulher e tento torná-la mortal, pois minhas fotos são bíblicas. Se faço nus de mulheres, faço-o por razões bíblicas, pois quando Adão e Eva se deram conta de que estavam nus compreenderam também que haviam se tornado mortais. Eis porque fotografo a mortalidade das mulheres. É um pouco trágico, mas é belo ao mesmo tempo. É preciso dar-se conta da mortalidade das mulheres para amá-las mais ao longo da vida e do tempo.
Atualmente eu prefiro olhar ao vivo. Isso é muito importante. Não devemos falar a língua dos outros, nem utilizar o olhar dos outros, porque neste caso existimos através do outro. É preciso tentar existir por si mesmo. - Eugen Bavcar





Eu, Álison