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sábado, 5 de abril de 2014

Janela da Alma - Parte 3

Todos nós somos criaturas emocionais, e creio que todas as nossas percepções, nossas sensações e experiências são carregadas de emoção, de pessoal emoção. Acredito que a emoção fique, por assim dizer, codificada na imagem. Curiosamente, às vezes, a emoção pode se separar da imagem. Aparentemente, o que acontece nesse caso é que o sentimento de ternura e familiaridade desaparece. Isso reforça a ideia de que o reconhecimento visual, a memória visual e toda a forma de percepção devem estar inseparavelmente ligadas à emoção. Quando a memória visual é desconectada da emoção que lhe corresponde uma grande crise nervosa pode ocorrer. - Oliver Sacks

O que é o olhar? É uma interpretação, não é? Sempre é uma interpretação. Tudo que a gente olha, a gente está mediado pelos nossos conceitos, pelos nossos valores. Tem tanta coisa. Às vezes, a gente passa diante do muro e sempre vê o muro. Num determinado dia aquilo se abre diferente, parece outra coisa, uma coisa nunca vista antes. - Paulo Cezar Lopes

É uma coisa linda. Viajando de ônibus... Eu estou lá na cadeira e eu estou vendo coisas maravilhosas que ninguém está vendo e eu estou vendo, e está todo mundo achando que eu não estou vendo. E enxergando menos do que eu! - Hermeto Pascoal

Eu estava em um restaurante em Lisboa, estava sozinho até, e de repente eu pensei: "E se nós fôssemos todos cegos?". E depois, praticamente no segundo seguinte, eu estava a responder, eu respondia a esta pergunta que tinha feito. Mas nós estamos realmente todos cegos. Cegos da razão, cegos da sensibilidade, enfim, de tudo aquilo que faz de nós não um ser razoavelmente funcional, no sentido da relação humana, mas pelo contrário, um ser agressivo, um ser egoísta, um ser violento, e isto é o que nós somos. E o espetáculo que o mundo nos oferece é precisamente esse. Um mundo de desigualdade, um mundo de sofrimento, sem justificação, ou melhor, com explicação. Nós podemos explicar o que se passa, mas não tem justificação. - José Saramago

A imagem que mais me faz falta é aquela da qual todos carecem, isto é, poder ver a si mesmo com próprios olhos. As pessoas acreditam que se veem com os próprios olhos, mas, assim como eu, precisam de um espelho. A diferença, no meu caso, é que os espelhos são diferentes. Mas isso é uma sorte para mim, porque dessa maneira evito me afogar, tal como o infeliz Narciso. Sou um Narciso sem espelho, isto é, é uma sorte. - Eugen Bavcar

O que eu acho é que nós nunca vivemos tanto na caverna de Platão como hoje. Hoje é que nós estamos a viver de fato na caverna do Platão. Porque as próprias imagens que nos mostram a realidade. Então, de uma maneira, substitui a realidade. Nós estamos no que chamamos de mundo audiovisual. Nós estamos efetivamente a repetir a situação das pessoas aprisionadas, atadas, na caverna de Platão, olhando em frente, vendo sombras, e acreditando que essas sombras são a realidade. Foi preciso passarem todos estes séculos para que a caverna do Platão aparecesse finalmente num momento da história da humanidade, que é hoje. E vai ser. E vai ser cada vez mais. - José Saramago

Vemos tantas coisas fora de contexto. A maioria das imagens que vemos são vistas fora de contexto. A maioria das imagens que vemos não tentam nos dizer algo, mas nos vender algo. Na verdade, a maioria as coisas que vemos, revistas, televisão, tentam nos vender algo. Mas a necessidade fundamental do ser humano é que as coisas comuniquem um significado, como uma criança ao se deitar. Ela quer ouvir uma história. Não é tanto a história que conta, mas o próprio ato de contar a história cria segurança e conforto. Acho que mesmo quando crescemos nós amamos o conforto e a segurança das histórias, qualquer que seja o tema. A estrutura da história cria um sentido, e nossa vida, de maneira geral, carece de sentido, por isso, temos uma intensa sede de sentido. - Wim Wenders

Acho que acontece o mesmo com todas as outras coisas que temos em excesso. Quero dizer, temos muitas coisas em excesso nos dias de hoje. A única coisa que não temos o suficiente é tempo, mas a maioria de nós tem tudo em excesso. E ter tudo em excesso significa que nada temos. A atual superabundância de imagens significa, basicamente, que somos incapazes de prestar atenção. Somos incapazes de nos emocionarmos com as imagens. Atualmente, as histórias precisam ser extraordinárias para nos comoverem. As histórias simples... Não conseguimos mais vê-las. - Wim Wenders

Vivemos todos numa espécie de Luna Park audiovisual, onde os sons se multiplicam, onde as imagens se multiplicam, e onde nós, mais ou menos, creio eu, que isso vai acontecer, nós vamos, cada vez mais, nos sentirmos perdidos. Perdidos, em primeiro lugar, de nós próprios. E em segundo lugar, perdidos na relação com o mundo. Acabamos por circular aí sem saber muito bem nem o que somos, nem para que servimos, nem que sentido tem toda a existência. - José Saramago

Tenho outro exemplo, também de Jacques Demy. Lembro-me de ter dito, durante a narração, que nenhum jornalista, nenhum repórter, teria continuado a filmar meu querido colocando seu suéter, apenas eu. Ninguém mais teria ficado lá para ver a cena. Ele arruma aqui, arruma ali, é interminável. Mas eu fiquei. E quando vejo as imagens, agora que ele se foi, lembro-me de como me irritava com sua lentidão, mas tendo-a filmado, eu o perdoei completamente, porque está em imagens, as pessoas podem ver como ele era lento. Acho que apenas eu, amando-o desta maneira, poderia ter sido capaz de filmar essa imagem. Então, a alteração não vem da doença, do mal estar, da cegueira. Acredito que venha do nosso sentimento, da nossa posição no momento que filmamos. Da nossa relação, da nossa conexão com o tema, com a pessoa filmada ou com aquele momento de nossas vidas. Você não acha? - Agnès Varda

No entanto, para se chegar a isso, a essa redução do trágico. Do anúncio do trágico. Mas ele conseguiu isso, essa síntese. É simples, e não é. Não é que o simples seja o desleixado, não é isso. É o simples, o substantivo. É a única coisa que poderia ser, é aquilo. É o irredutível. É isso que eu chamo simples. Eu acho que nisso talvez esteja, um pouco, a minha ideia do que seja a beleza. - Walter Lima Jr.

Gasto uma grande parte do meu dia no jardim, aí fora. Olhar para as plantas. Acompanhar, sobretudo, o crescimento delas. Esta preocupação minha com aquilo que cresce, e neste caso estou falando das plantas, e aquilo que está a passar nas plantas. A flor, o fruto, enfim, tudo isso. Se está mal, se tem alguma praga, se tem qualquer coisa, enfim. Tudo isto. E, sobretudo, esta atenção muito particular ao crescimento da árvore, ou da planta, em geral. No fundo, talvez tenha outra razão que eu não tinha pensado antes. Que, como, enfim, tenho 77 anos, minha vida vai se aproximando do fim. É como se eu tivesse a necessidade de existir. De ver aquilo que, de alguma forma, está ainda no princípio, por estar a crescer. E algumas vezes até, não direi falar com elas, porque elas não respondem, mas comentar, digamos, mais ou menos, em voz alta, como é que estão, se tem bom aspecto, se não tem bom aspecto. É uma coisa um pouco... Um pouco pateta, um pouco ridícula, mas enfim... - José Saramago






Eu, Álison

sábado, 29 de março de 2014

Janela da Alma - Parte 2

Você nunca se descobre, por exemplo, pensando fora de foco. Você acha que você pensa direito, de algum jeito. Às vezes você pensa melhor ou, às vezes, você tem dúvida, ou tem problemas, ou tem incertezas, mas a ideia do fora de foco, num mundo nosso, visual, é muito grave, entendeu? Eu não me penso fora de foco, mas, então, o mundo está fora de foco ou eu estaria, entendeu? - Carmela Gross

A grande experiência que eu tive assim que eu usei óculos, a primeira vez que eu pus os óculos, foi notar a quantidade de detalhes que se veem normalmente e que eu não via antes de usar os óculos. Então, por exemplo, uma coisa que eu achei maravilhosa, foi ver que as árvores eram múltiplas. Quer dizer, eu sempre soube, intelectualmente, que as árvores, as copas das árvores, eram compostas de folhas, mas eu só via aquela massa. Quando eu pus os óculos e notei, embora você não visse perfeitamente as folhas individuais, você via a multiplicidade de que é composta uma árvore... Aquilo, para mim, foi uma descoberta maravilhosa. - Antônio Cícero

Acho que você fica mais consciente do enquadramento. Quando tinha trinta anos, tentei usar lentes de contato, mas mesmo quando as usava, procurava meus óculos, porque, apesar de enxergar bem sem os óculos, sentia falta desse enquadramento. Acho que a visão é mais seletiva. Temos mais consciência do que vemos de fato. Sem os óculos, tenho a impressão de ver demais, e não quero ver tanto. Quero ver de forma mais... Contida. - Wim Wenders

Foi uma experiência que, naquele momento, parecia dolorosa, mas que foi uma coisa enriquecedora, que leva muito para a subjetividade, faz a gente pensar muitas coisas que normalmente não iríamos pensar. Então, hoje eu acho boa essa experiência, apesar de naquele momento eu ter achado ruim. Na gente, nas relações. Abre a subjetividade da gente. Quando a gente está só no exterior, está tudo bem, a gente está tranquilo. Na verdade, o conhecimento nasce muito disso, do incômodo. O incômodo nos faz pensar, procurar coisas... - Paulo Cezar Lopes

O ato de ver e de olhar não se limita a olhar para fora, não se limita a olhar o visível, mas também o invisível. De certa forma, é o que chamamos de imaginação. - Oliver Sacks

O que mais me agradava nos livros era o fato de que aquilo que eles nos davam não se achava somente dentro deles, mas o que nós, crianças, adicionávamos a eles, é que fazia a história acontecer. Quando éramos crianças podíamos realmente ler nas entrelinhas e acrescentar-lhe toda nossa imaginação. Nossa imaginação realmente completava as palavras. - Wim Wenders

Se dizemos que os olhos são a janela da alma, sugerimos, de certa forma, que os olhos são passivos e que as coisas apenas entram, mas a alma e a imaginação também saem. O que vemos é constantemente modificado pelo nosso conhecimento, nossos anseios, nossos desejos, nossas emoções, pela cultura, pelas teorias científicas mais recentes. Se alguma vez vimos raspas de ferro sobre um ímã e qual o comportamento de um campo magnético. Acredito que isso entra no imaginário, e de certa maneira posso ver o campo invisível do ímã. Não posso vê-lo, mas o vejo. Posso vê-lo com os olhos da mente. - Oliver Sacks

Lembro-me de minha mãe olhando para mim sempre com aquele olhar triste e deprimido. Olhando para mim, mas sem se comunicar comigo. Olhando através de mim, como que dizendo: "Coitada da minha filha, que horrível", e isso me afetou, como se eu fosse um fracasso, porque minha mãe me olhava dessa forma. Mas eu estava decidida a não ser um fracasso, a lutar, a fazer tudo o que pudesse, a escolher uma profissão na qual, possuindo algo de único, pudesse transformar essas cinzas em joias.
"Many Happy Returns" trata do trauma da deformidade, mas, na verdade, foi outra a razão que me inspirou a fazer o filme. Nesse filme, o mal causado à menina é, sobretudo, mental, pelo fato de ter que ver e ser testemunha de fatos difíceis e traumatizantes. Sua visão é machucada, de certa maneira. O filme diz respeito a isso, mais do que a deformidade.
O paradoxo em tudo isso é que logo depois da última operação, que foi bem sucedida e que os olhos foram corrigidos, ninguém notou. Ninguém me disse: "O que houve com seu olho? Que maravilha!". Ninguém notou. Então, de que adiantou todo esse trauma? Foi uma lesão interna. Acho que é isso que tento abordar nesse filme. A verdadeira lesão foi a perda de um olho. A deformidade que transformava meu rosto em uma espécie de ameixa enrugada. Era o fato de eu ser vesga, algo que ninguém reparou. Trágico, não? - Marjut Rimminen

Lembro-me de ter pensado: "Estou fazendo toda essa ficção sobre Jacques e ele está aí, vivo, e talvez por pouco tempo", porque ele estava doente. E pensei, como quando queremos fazer algo por alguém, e dizemos: "Fiquei próxima, tanto quanto possível, de quem sofria". E para um cineasta, estar próximo quer dizer estar realmente próximo. Então, eu filmava o que todos viam. Seu rosto, seus braços, suas mãos, nada de especialmente íntimo, como, por exemplo, tomar um banho em casa. Mas a maneira como filmei seus braços, suas mãos e seu rosto, de perto, de muito perto, chegando à textura desse homem, a pele, pode-se ver cada pelo, como se entrássemos dentro de sua pele. Muito perto. Acho que só tive essa visão devido ao medo de perdê-lo... E o perdi. Ele morreu seis meses depois da filmagem. Acho que ninguém teria sido capaz de realizar esse filme exatamente da maneira como eu fiz. Como já disse, a visão é alterada por sentimentos, por fortes sentimentos. - Agnès Varda





Eu, Álison