quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Apenas duas cartas


Leonardo foi encontrado morto às 5: 22 da manhã. Com ele não foram encontrados nenhum tipo de arma, nenhuma faca ou objeto cortante, nenhum vestígio de ingestão de veneno ou remédios. Em seu corpo não havia hematomas nem sinais de luta. Sua saúde era excelente. Nunca foi descoberto a causa da morte. Não foi confirmado nem ao menos se foi homicídio. Foi achado caído no chão de seu quarto. Não trazia consigo nenhum objeto em especial, apenas duas cartas que mantinha, mesmo depois de morto, perto de si, como que querendo protegê-las. Uma, que escrevera para seu irmão, e outra, que recebera de uma mulher com quem falara apenas uma vez. Nenhuma das duas cartas foi lida. Apenas se conhece seu conteúdo pelas poucas palavras escritas na parte de fora do envelope. Na endereçada a seu irmão lia-se “Não sei se vou conseguir. Preciso confessar-lhe um segredo”. Na outra, enviada por uma mulher e endereçada ao próprio Leonardo, lia-se “Me deixaste curiosa. Serei grata se puder vê-lo novamente”. Nos diários que foram encontrados no quarto de Leonardo, descobriu-se que ele mandaria a carta a seu irmão no dia seguinte. Descobriu-se também que Leonardo nunca teve coragem de ler a carta que recebera da mulher, pois, apesar de tê-la visto apenas uma vez, notou algo especial na mulher e por isso não era digno de lê-la. Apesar do comentário, Leonardo não diz nada sobre o que era tão especial na mulher. As pessoas que encontraram Leonardo decidiram não ler nenhuma das duas cartas. Elas foram enterradas com ele no dia seguinte. Seu irmão nunca ficou sabendo o que Leonardo queria lhe confessar. Também não se sabe quais as intenções da mulher para com Leonardo, nem o que a fez se interessar tanto nele.
Leonardo manteve diários por quase toda vida. Escrevia sobre tudo. Sobre as pessoas que conhecia, sobre seu irmão, sobre seu trabalho, seus passatempos, planos para o futuro. Lendo-os, uma pessoa poderia conhecer Leonardo muito bem, mas não há, em lugar algum, sequer uma frase sobre o que ele escreveu na carta para seu irmão ou sobre a mulher que conhecera tempos atrás. Leonardo relata até as coisas mais simples, como um gato de estimação que teve durante um longo período, mas sobre as cartas não há sequer um rascunho. É como se elas não existissem. Ou como se fosse isso que Leonardo quisesse que pensássemos.







Eu, Álison

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